A Companhia Agrícola Harmonia se converteu na maior empresa solidária de autogestão no Brasil. Atualmente oferece emprego a 4.300 famílias que exploram 26.000 hectares, tendo como centro a produção açucareira em 48 plantas.
A área dos canaviais, e uma diversificada agricultura familiar se estendem ao longo de cinco municípios localizados no estado de Pernambuco.
Quando a empresa entrou em crise, em 1993, a reação inicial foi a usual: defender as indenizações e outros direitos dos 2.300 trabalhadores despedidos. Dois anos depois, os sindicatos optaram por outra via. O objetivo foi recuperar os empregos perdidos e manter os restantes numa atividade vital para a economia do Catende no interior do nordeste do estado de Pernambuco.
Pediram a falência dos donos da empresa e assumiram sua gestão, sob o controle judicial, para recuperar a produção do açúcar e diversificar a atividade agrícola e industrial.
A área dos canaviais e uma diversificada agricultura familiar se estende por cinco municípios.
Produzir açúcar nessa zona «custa um pouco mais que em São Paulo», estado do sudeste que concentra mais da metade da produção nacional, mas «nosso modelo faz viável o projeto», disse Lenivaldo Lima, assessor técnico de Catende-Harmonia.
O comentário de Lima faz referência ao modelo de economia solidária, cooperativa e de autogestão. Boa parte dos trabalhadores da cana e centrais açucareiras também se dedica ao cultivo de mandioca, frutas, milho, batatas e inclusive a pecuária, «num regime familiar articulado com cooperativas».
A topografia local não permite a colheita mecanizada como em São Paulo, mas assegura um maior número de empregos, «cumprindo o objetivo de inclusão social» e de melhor distribuição da renda, que fica nos municípios e dinamiza a economia, destacou Lima.
Catende-Harmonia representa um excelente exemplo de empresas privadas falidas e recuperadas por seus trabalhadores, as quais já somam umas 200 no Brasil, segundo Fábio Sanches, secretário adjunto de Economia Solidária do Ministério do Trabalho.
Este setor compreende uns 22.000 Empreendimentos de Economia Solidária (EES), que dão trabalho a quase dois milhões de pessoas, segundo dados oficiais. É pouco num país de mais de 188 milhões de habitantes, a metade deles em idade ativa, mas se trata de algo novo e em rápida expansão, disse Sanches.
Os EES, núcleos de gestão coletiva em atividades produtivas, de serviços ou crédito popular, surgiram no Brasil nos anos 80, ante «a crise do trabalho assalariado, com grande aumento do desemprego e das ocupações precárias», acrescentou.
A pequena agricultura é a atividade fundamental. Mas a pesca, o artesanato, a exploração florestal, a mineira, as pequenas indústrias, a reciclagem de lixo, o comércio e outros serviços, como as cooperativas de crédito, também têm seu espaço no setor.
Fomentados por sindicatos e organizações não-governamentais, os EES receberam um forte impulso em 2003 com a criação da Secretaria de Economia Solidária e com o Foro Brasileiro de Economia Solidária, num processo favorecido pelo Foro Social Mundial, que teve seus primeiros encontros, entre 2001 e 2003, na meridional cidade brasileira de Porto Alegre.
A Secretaria tenta ampliar o acesso dos EES ao conhecimento, ao mercado e aos capitais. Ocupa-se da capacitação em gestão, tecnologias apropriadas e assistência técnica, feiras e regulação do comércio justo, facilidades para aquisição de equipamentos e outros meios necessários para desenvolvimento do trabalho.
A principal conquista foi a «institucionalização de uma política pública para o setor», afirmou Sanches. A «utopia» dos ativistas é que a economia solidária tenha no futuro uma participação hegemônica na vida econômica e social, reconheceu.
Um dos principais objetivos é colocar «ao ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, no lugar da acumulação privada da riqueza», segundo o Foro, criado por organizações não-governamentais, universitárias, gestores públicos e movimentos sociais. «É uma alternativa no modo capitalista de organizar as relações sociais», destacou. As iniciativas solidárias no Brasil começaram «pela luta contra o desemprego», observou Lima. Mas elas «mudam a visão do mundo dos trabalhadores que antes só queriam um salário» e agora valorizam uma melhor qualidade de vida, com mais segurança e controle do seu destino, afirmou.
Mas, se trata de um setor limitado, que deve ser encarado como uma alternativa entre muitas, com uma visão ampla de «inclusão produtiva» num país onde aproximadamente a metade da população «está excluída» do sistema, disse o economista Ladislau Dowbor, professor da Universidade Católica de São Paulo, experto em planificação e gestão descentralizada.
E esses excluídos «não são pessoas desinformadas» senão, pessoas conscientes da situação, que «exercem pressões», advertiu.
O gigantesco desafio de incluir no processo de desenvolvimento a quase cem milhões de pessoas exige considerar subsistemas que se articulam, como o terceiro setor (a sociedade civil organizada), as políticas de apoio ao desenvolvimento local, economias não monetárias e o voluntariado, apontou Dowbor.
O economista ressaltou que devem se adotar indicadores da riqueza que não se limitem ao cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), porque existem atividades de resultados «espetaculares» e pouco valor monetário.
É o caso da Pastoral da Infância, que mobiliza mais de 300.000 assistentes no Brasil e reduziu consideravelmente a mortalidade infantil, com um custo de 78 centavos de dólar mensais por criança, exemplificou.
Nos últimos anos, mais além do aumento do PIB, afirmou Dowbor, a melhora «na qualidade do crescimento econômico brasileiro» se deve a presença do micro-crédito, do aumento do salário mínimo que favoreceu a dezenas de milhões de trabalhadores e aposentados, dos programas sociais massivos e da expansão do emprego formal, que dinamizou as economias locais.
Nota de Mario Osava