São Paulo emite só um décimo dos gases de efeito invernadeiro que produz San Diego, ainda que a cidade brasileira seja quatro vezes maior que a estadunidense, segundo o Relatório do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-Habitat) divulgado na quinta-feira, 23 de outubro.
Os padrões de consumo e o produto por pessoa são mais determinantes que o grau de urbanização para os aportes ao esquentamento da Terra, conclui baseado nessa comparação o Relatório do Estado das Cidades do Mundo referente ao biênio 2008-2009 dedicado a «Cidades Harmônicas».
A América Latina e o Caribe constituem a região mais urbanizada do mundo, com 77 por cento da população nas cidades, e deverá aumentar a 85 por cento nas próximas duas décadas, destacou Cecilia Martínez, diretora regional da UN-Habitat em conferência de imprensa.
O relatório, que contém análise e recomendações sobre harmonia espacial, social e ambiental, também foi divulgado em Bangkok e Londres. A prosperidade sozinha não cria harmonia, também as cidades necessitam equidade e sustentabilidade, afirmou Anna Tibaijuka, diretora executiva da UN-Habitat.
A América Latina é também a região que apresenta mais cidades desiguais. O índice Gini, que expõe o grau de desigualdade entre ricos e pobres, medido em 19 cidades da região alcançou 0,55 em promédio, superando incluso a África, que apresenta as cidades com mais pobres e maior proporção de habitantes de assentamentos precários.
A UN-Habitat considera o índice 0,4 como a linha de alerta, por encima do qual a desigualdade é inaceitável. A Europa ocidental, com promédios de entre 0,25 e 0,30, apresenta o conjunto de cidades mais igualitárias, mas é Pequim, com um Gini de 0,22, a cidade mais eqüitativa do mundo.
A desigualdade interna ou entre cidades, e entre regiões de um mesmo país, afeta a harmonia urbana por si só e também por gerar mais desigualdade, ao travar o crescimento econômico e constituir um ambiente que atrai menos investimentos, ressalta Tibaijuka na apresentação do relatório.
A América Latina e o Caribe se destacam também como a região que registra um rápido crescimento em muitas cidades pequenas, passando de dezenas de milhares de habitantes a centenas de milhares em pouco mais de 10 anos.
Um exemplo é Itaquaquecetuba, que tinha uns 30.000 habitantes na década de 1970, e aumentou sua população em aproximadamente 10 por cento ao ano na década passada tendo atualmente 334.000 habitantes. Esse crescimento reflete a expansão da região metropolitana de São Paulo.
Umas 70 cidades brasileiras viveram um fenômeno similar nos últimos 15 anos, por causa do turismo, da instalação de grandes empresas ou outros fatores de prosperidade econômica ou qualidade de vida, explicou Martínez.
Este é um «século urbano» a partir de 2007, quando a população urbana superou a rural em termos mundiais, acrescentou. Ainda há fortes diferenças regionais, com Ásia e África apresentando só 41 e 39 por cento, respectivamente, de seus habitantes nas cidades, enquanto a urbanização supera 70 por cento em outros continentes e regiões.
Mas a tendência permite prever que em 2050 as diferenças diminuem, com Ásia, por exemplo, alcançando 63 por cento da população urbana, graças especialmente a China que será 70 por cento urbana, compensando uma evolução mais lenta da Índia.
As cidades, assinaladas como problema ambiental e grande causadoras do esquentamento global, são também «parte da solução», coincidem o relatório e vários dirigentes da UN-Habitat.
Uma melhor planificação para o uso de transportes de maior eficiência energética, com menor dependência de veículos motorizados, aumento da densidade urbana e políticas para reduzir o desperdício e a desigualdade espacial e social, podem diminuir muito as emissões de carbono e contribuir para minimizar a mudança climática.
A disparidade de emissões de gases invernadeiro por pessoa entre grandes cidades do mundo reflete mais os padrões de consumo, especialmente o energético, que o nível de renda ou a contaminação aparente.
Os dados do relatório atribuem 2,9 toneladas de carbono por pessoa para a Cidade do México e o dobro para São Paulo. San Diego, o campeão com 11,7 toneladas, emite mais que o dobro que Tóquio e o triplo de Estocolmo e Seul, mas tem a Toronto e a Xangai como contaminantes próximos.
Com as 3.351 cidades costeiras em zonas de baixa altitude, quer dizer inferior a 10 metros, e por isso ameaçadas pela elevação do nível do mar, há uma imensa população urbana que sofrerá graves conseqüências pela mudança climática, salienta o relatório.
Ademais, são grandes aglomerações humanas que enfrentam riscos de escassez de água e desastres climáticos, como os provocados pelo fenômeno El Niño na região andina e os furacões no Caribe, disse Martínez.
A adaptação das cidades ante as conseqüências da mudança climática é uma preocupação da UN-Habitat, que está estimulando, em associação com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que as cidades «observem os fenômenos» que já estão ocorrendo e adotem planos integrados de urbanização e ambiente para enfrentar os desafios previsíveis, concluiu a diretora da UN-Habitat para a América Latina e o Caribe.
Nota de Mario Osava
Rio de Janeiro